1 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose
O tratamento da endometriose constitui-se em um desafio, uma vez que seu diagnóstico definitivo depende da videolaparoscopia e biópsia, que é um procedimento invasivo.
A endometriose tem várias formas de classificação, sendo uma das mais importantes a que diferencia a endometriose superficial como aquela que penetra menos de 5mm no tecidos e como a endometriose profunda aquela que pena mais de 5 mm nos tecidos e órgãos. Em ambas as formas a endometriose pode provocar intensos sintomas álgicos, uma vez que não existe relação direta entre a quantidade e profundidade de lesões e a sintomatologia. O mesmo raciocínio segue para a infertilidade.
No primeiro Guideline ESRHE (2014) a abordagem clínica com bloqueio hormonal era sugerida como a primeira opção de tratamento na maioria dos casos. Porém, em sua nova versão ESRHE (2022) o guideline indica equivalência entre oferecer como primeira terapia cirurgia ou tratamento clínico. A paciente deve entender bem ambos e partilhar da conduta.
O tratamento clínico da endometriose tem como principal vantagem não ser invasivo e não apresentar grandes riscos agudos. Como desvantagem, pode ser necessário seu uso por décadas, o que obviamente implica riscos. Consiste outra desvantagem o fato que o tratamento clínico não trata as lesões, que permanecem com a paciente em forma silenciada.
O tratamento cirúrgico tem como vantagem tratar de fato a doença e ser resolutivo. Porém, depende de uma cirurgia que possui diversos riscos, inclusive o de morte, como em qualquer procedimento. O tratamento cirúrgico também não garante que as pacientes não irão ter recidiva da doença no futuro, apesar de que quando adequadamente executado essa porcentagem é muito pequena nos estudos.
2 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose Superficial
O principal ponto na endometriose superficial é o cirurgião estar habituado às diversas formas de apresentação da endometriose e realizar um cuidadoso olhar de toda a cavidade abdominal da paciente. A endometriose se apresenta em várias formas, sendo as mais comuns: a forma translúcida da endometriose na forma vesicular inicial, a forma vermelha de endometriose quando sangramento ou angiogênese e a forma negra da endometriose quando acontece a desoxigenação da hemoglobina. Por fim, temos as lesões brancas que são o final do processo e apesar de constituírem mais material fibroso ainda podem ser sintomáticas e possuir focos celulares de células endometriais e estroma. Outra alteração que chama atenção são os defeitos peritoniais pélvicos, muito comumente associados a endometriose.
Antes de operar a paciente, mais importante que tudo, devemos ter feito no consultório uma coleta de dados detalhada sobre seus sintomas, desejo gestacional, correlação de sintomas com possíveis lesões, doenças prévias. Ainda na laparoscopia é possível realizar a cromotubagem e avaliar a condição de perviedade das trompas.
As lesões podem ser tratadas de diversas maneiras, sendo a exérese completa delas o tratamento com melhores resultados. Porém, para realizar a excisão completa do peritônio o cirurgião deve ter um profundo conhecimento anatômico da região afim de evitar lesões inadvertidas. Aparentemente a retirada das lesões é capaz de aumentar sobremaneira a taxa de gravidez das pacientes, especialmente naquelas que tem menos de 35 anos. Porém, é importante dividir a conduta com a paciente e expor também as vantagens e desvantagens da reprodução assistida.
3 – Tratamento Cirúrgico do Endometrioma de Ovário
O endometrioma de ovário se apresenta como uma massa pélvica de tecido endometrial ectópico que cresce dentro do ovário. É a endometriose dentro do ovário. Possui características muito específicas na imagem e no geral não causam dúvida, em especial quando aberto devido ao seu conteúdo “cor de chocolate”. Podem estar associados a sintomas de dor e infertilidade ou serem absolutamente assintomáticos. Também podem se apresentar em quadros emergenciais com a rotura do cisto de endometriose, um evento que não é incomum.
Por vezes os endometriomas se apresentam com componente sólido, o que torna difícil fazer o diagnóstico diferencial com neoplasias ovarianas. É importante lembrar que sua presença por si só também aumenta o risco relativo de câncer de ovário, apesar do risco absoluto continuar pequeno. O teste do Ca125 por nos auxiliar no diagnóstico caso os níveis estejam muito acima do normal vamos suspeitar de malignidade e nesses casos a retirada completa do ovário é a conduta preconizada.
No caso dos endometriomas a cirurgia é a abordagem preferencial toda vez que temos lesões sintomáticas e/ou em crescimento com mais de 3cm. A terapia clinica hormonal se mostrou muito pouco eficaz em controlar endometriomas maiores que 3cm, sendo as chances de sucesso muito pequenas. É importante salientar que após a ressecção, existe uma chance de cerca de 15% da lesão retornar em até 5 anos e hoje sugere-se a manutenção do bloqueio hormonal nas pacientes que operam e não desejam gestar imediatamente.
No caso de endometriomas e infertilidade, temos um cenário muito desafiador quanto a condutas. É sabido que os endometriomas estão realacionados a infertilidade, destruindo o parênquima ovariano e pirorando a qualidade dos folículos e embriões. No contexto da reprodução assistida e coleta de óvulos o efeito negativo de sua presença é muito bem documentado. Por outro lado, a cirurgia para remoção do endometrioma também danifica o ovário e a reserva folicular, prejudicando a qualidade dos ovários e podendo levar até a falência ovariana. É uma verdadeira encruzilhada onde a decisão deve ser partilhada entre o fertileuta, cirurgião e paciente. Embora não haja consenso, no geral indica-se cirurgia nas pacientes sintomáticas, pacientes com endometriomas maiores que 4cm e pacientes que já tiveram falhas na reprodução assistida ou qualidade dos óvulos captada muito ruim.
Dentre as opções de tratamento cirúrgico, a mais indicada é a cistectomia com excisão total do endometrioma e sua cápsula e mínimo uso de energia. Quando comparada com as outras técnicas do passado, a cistectomia é superior na preservação da reserva ovariana e também no menor número de recividas. A técnica específica preconizada para a cistectomia é a de stripping, utilizando-se de tração e contra-tração. Essa foi a conclusão ao ver que através dessa técnica a quantidade de oócitos na peça cirúrgica é menor.
4 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose Intestinal
A endometriose intestinal é definida quando há presença de tecido endometrial na camada muscular do intestino, sendo uma doença de evolução lenta e sintomas inespecíficos, gerando um diagnóstico tardio. É uma lesão comum, afetando de 10%-25% das pacientes com endometriose profunda. É imprescindível questionar na consulta sobre os sintomas intestinais mais comuns da endometriose: diarréia, aumento do número de evacuações, constipação, distensão abdominal, dor anal, sensação de não ter evacuado completamente (tenesmo) e cólicas. O sintoma de sangramento anal pode estar presente, porém é mais raro. Esse sintomas são especialmente importante quando possuem variação de acordo com o ciclo menstrual da paciente.
No geral a cirurgia apresenta indicação quando temos paciente com dor que não responde ao bloqueio hormonal e/ou lesões que apresentam crescimento contínuo mesmo na vigência de bloqueio hormonal. O procedimento é considerado de grande complexidade e deve ser realizado com equipe multidisciplinar e a paciente deve estar ciente dos riscos envolvidos. O maior medo no geral é quanto a bolsa de colostomia, que NUNCA é colocada preventivamente na doença e sim na vigência de complicações da anastomose intestinal. A chance é bem pequena, cerca de 2-4%, porém a paciente deve estar ciente dessa possibilidade.
A abordagem da lesão vai depender da sua gravidade. Lesões mais superficiais podem ser retiradas com a técnica de shaving que literalmente “raspa” as lesões do local acometido. Lesões intermediárias podem ser abordadas por ressecção discóide ou linear e lesões maiores ou múltiplas devem ser abordadas por segmentectomia. A escolha do método em geral vai ser decidida no ato operatório e cada abordagem possui vantagens e desvantagens.
A ressecção intestinal não só melhoraria a dor, mas em muitos estudos demonstrou ser um fator que eleva de maneira importante a taxa de gravidez natural das pacientes, com séries demonstrando até 60% de gravidez espontânea em 3 anos. Estudos com reprodução assistida também demonstraram a melhora das chances de fertilização bem sucedida após a retirada das lesões intestinais. O mecanismo exato dessa relação não é muito claro e pode não ser exatamente direto. Como a ressecção intestinal é o maior desafio na doença, talvez a cirurgia que a comtemple seja um marcador de cirurgião habilitado e que realizou uma cirurgia excisional completa.
5 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose de Bexiga
A endometriose de bexiga é um evento raro em endometrioses iniciais, porém não é um evento tão raro assim nas paciente que já são acometidas por endometriose profunda. O diagnóstico no geral é tardio e demora a ser feito, devido ao fatos dos sintomas serem inespecíficos e se confundirem com outras patologias mais comuns do trato urinário.
A abordagem inicial com tratamento clinico de bloqueio hormonal pode ser efetiva, mas deve ser lembrado que como nos outros sítios é uma abordagem paliativa com a paciente retornando os sintomas após a suspensão da medicação.
Diferentemente das lesões de intestino, as lesões de bexiga no geral não tem risco de complicações tão sérias e o tempo cirúrgico é menor. Em muitos dos casos a parede da bexiga terá de ser ressacada e então a paciente deverá permanecer com cateter vesical com o qual vai para casa, retirando o mesmo 5-14 dias após o procedimento. Durante esse período também é necessário a antibioticoprofilaxia para infecção urinária. Quando os nódulos são próximos ao colo vesical ou muito extensos pode ser necessário a passagem de cateter Duplo J para a proteção dos ureteres durante o procedimento.
5 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose de Ureter
O acometimento do ureter pode levar a estenose da via urinária e consequente perda renal e por sorte é bem raro acometendo menos de 1% do total das pacientes com endometriose.
As lesões de bexiga podem causar essa obstrução do ureter, mas é mais comum que lesões do compartimento posterior ocasionem isso.
Pode ser feita a ressecção da lesão com parte ou não do ureter envolvido. Preferencialmente deve ser evitado o reimplante ureteral pois o mesmo acarreta repercussões renais a longo prazo devido ao refluxo de urina. Porém, a equipe deve estar preparada para o reimplante, uma vez que acometimento do óstio ureteral ou muito profundo do ureter pode fazer necessário
5 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose do compartimento posterior
O compartimento posterior da pelve corresponde ao espaço atrás do útero, entre o mesmo e o reto. Possui diversas subdivisões e estruturas, sendo o local mais comum de focos de endometriose. Fazem parte do espaço os ligamentos uterossacros, retrocervical, paracervical, vagina e septo retovaginal. Vamos falar em separado sobre o tratamento cirúrgico em cada um desses espaços.
A endometriose nos ligamentos uterossacros é uma das apresentações mais comuns e sintomáticas da doença, presente em quase 70% das mulheres com endometriose. Caracteristicamente a doença nessa região causa um sintoma muito comum da endometriose, a dispaurenia ou dor no ato sexual quando da penetração profunda do pênis. A endometriose nodular nessa posição também pode acometer os nervos hipogástricos levando a disfunções urinárias e dores excruciantes. Lesões nodulares maiores que 2 cm caracteristicamente respondem mal ao tratamento clínico e são boas candidatas a cirurgia.
A endometriose parametrial ou paracervical é um dos acometimentos mais desafiadores quanto ao tratamento cirúrgico da endometriose. É necessário ao cirurgião um grande conhecimento da região e delimitar adequadamente a artéria uterina, ureter, nervo hipogástrico e veia uterina profunda sem lesioná-los. Em casos mais dramáticos, de acometimento parametrial bilateral, é importante cogitar tratar somente um lado para não acontecer a denervação completa da pelve.
A endometriose vaginal é um acometimento comum e também muito sintomático da endometriose, sendo um dos principais causadores do sintoma de dispareunia profunda, ou dor na penetração profunda do pênis na vagina. Nódulos grandes nessa localização comumente não tem boa resposta ao tratamento clínico e de uma maneira geral há uma grande melhora com tratamento cirúrgico. No pós operatório é importante a abstinência sexual por 6-8 semanas.
A endometriose que acomete raízes nervosas no geral é a endometriose do assoalho pélvico. Apesar de ser mais rara, é um importante diagnóstico diferencial para dores ciáticas e pudendas, devendo sempre ser pensada em especial quando os sintomas forem cíclicos. A abordagem cirúrgica das raízes nervosas no assoalho pélvico é possivelmente a cirurgia de maior complexidade na pelve feminina e deve ser realizada por equipe habituada no tratamento da doença e cirurgias de alta complexidade.
6 – Tratamento Cirúrgico da Endometriose Torácica
A endometriose acomete tipicamente os órgãos pélvicos femininos e mesmo os implantes extragenitais mais comuns vão acometer o apêndice e o retossigmoide que estão na pelve feminina. Dos sítios distantes da pelve, aquele que possui mais comumente o acometimento pela endometriose é o tórax e suas apresentações de endometriose pleural, pulmonar e diafragmática, estando presente em cerca de 1% dos casos.
A apresentação clínica mais comum da endometriose torácica é o pneumotórax catamenial, onde a paciente vai apresenta o quadro de pneumotórax logo antes ou nas 72 horas após a menstruação, ocorrendo tipicamente à direita onde estão na maior parte das vezes os focos de endometriose. É muito comum que essas pacientes sejam acometidas concomitantemente por endometriose pélvica severa, sendo o melhor exame para avaliação da endometriose torácica a ressonância magnética.
7 – Prevenção da recidiva pós operatória de endometriose
A recivida da endometriose após a cirurgia não é um evento incomum, acometendo até 20% das pacientes, muitas vezes sendo necessários novos procedimentos cirúrgicos. A recorrência é definida como o retorno das lesões propriamente ditas ou de qualquer sintoma que possa ser relacionado a endometriose. Em alguns casos o tratamento clínico vai ser suficiente, enquanto em outros pode ser necessário novas reabordagens. Dessa maneira é evidente a importância de condutas que visem prevenir o retorno da endometriose.
As duas principais formas de diminuir a chance de recorrência tardia é o uso continuo de bloqueios hormonais com pílulas no pós operatório ou o uso de DIU.
nas pacientes que não desejam gestar. É comprovado que o uso prolongado de tais métodos reduz a recorrência dos sintomas. Naquelas paciente com endometrioma de ovário é sugerido usar a pílula ao invés do DIU HORMONAL, uma vez ao não inibir a ovulação o permite a persistência do ambiente hiperestrogenico ovariano.