1 – História da endometriose
A endometriose é uma doença extremamente recente para os livros de medicina, sendo negligenciada por todos tratados médicos até inícios do século passado. Apesar que muito documentos antigos sugerem fortemente mulheres com sintomas de endometriose, sua descoberta como patologia singular aconteceu somente em 1860 com as publicações de Rokitansky, o mesmo médico que descreveu a síndrome de Rokitansky.
Uma extensa pesquisa atual feita por Nehzat et al em textos antigos de medicina egípcia e grega, sugere fortemente que a endometriose já afligia essas mulheres e que os médicos antigos já sabiam que a gravidez protegia contra o seu aparecimento e o de outras doenças ginecológicas.
Platão descreve a “sufocação uterina” que possui descrição muito semelhante a das cólicas menstruais intensas e afetava exatamente as pacientes que não tinham filhos em idade precoce. Junto a sufocação uterina adviriam sintomas de sangramento exacerbado!
Vários outros médicos da antiguidade relatam casos com sintomatologia claramente relacionadas a endometriose com Galeno (200 A.C) descrevendo uma doença inflamatória do útero em mulheres que não tem filhos e que a mesma estaria relacionada a inflamação dos ligamentos do útero.
Infelizmente para as mulheres após a queda de roma no ocidente adentramos num período de grande obscurantismo da ciência, com suas dores sendo associadas a efeitos paranormais e satânicos. Mulheres com dores uterinas menstruais e histeria eram vistas como bruxas, castigadas e até queimadas.
Somente com o retorno dos estudos em cadáveres no século XVII que as coisas iniciaram a melhorar, com Willian Harvey entendendo que os sintomas de histeria estavam relacionados com a distensão mecânica do útero e Johannes Vesling cogitando a relação com a menstruação e seu fluxo.
E apenas com o desenvolvimento da miscroscópia e entendimento da histologia dos tecidos que finalmente Rokitansky em 1860 entende que aquelas células de padrão endometrial fora do útero eram absolutamente anômalas e a causa de uma doença que a medicina passou 4.000 anos a observar sem entender a causa.
Posteriormente em 1927 Sampson publica seu artigo mais importante onde postula a teoria da menstruação retrógrada que continua hoje a ter papel chave na tentativa de explicar algumas das apresentações da doença. Ele dedica seus 50 anos de carreira ao estudo da doença e foi a primeira pessoa que atentou que os “cistos chocolates do ovário”, a adenomiose uterina e a endometriose profunda eram na verdade a mesma patologia. Por essa dedicação e descobertas é considerado por muitos o “pai da endometriose”.
2 – Estatísticas e Fatores de Risco
A endometriose é uma doença que causa repercussões importantes na vida da mulher e econômicas nos países, sendo responsável por um custo de 50 bilhões de dólares nos estados unidos.
A doença é extremamente comum, sendo encontrada em até 10% das mulheres da população geral, metade das adolescentes com dismenorréia intensa e 40% das mulheres com diagnóstico de infertilidade.
O tempo médio para o diagnóstico da doença continua demorado de maneira alarmante e mesmo em países desenvolvidos a mulher demora cerca de 8 anos para receber o diagnóstico e passa por uma média de 5-6 ginecologistas antes do estabelecimento do mesmo.
Os principal fator de risco é a nuliparidade, ou seja, a mulher que não teve filhos. Após esse fator, seguem as mulheres que tiveram a primeira menstruação precoce (< 11 anos) e possuem ciclos menstruais curtos (< 27 dias). O uso de anticoncepcionais orais é o principal fator protetor medicamentoso e a atividade física regular acima de 300’ por semana o principal fator preventivo e protetor da doença.
Alimentação e genética são fatores importantes e serão discutidos em tópicos específicos abaixo.
3 – Teorias Clássicas
A teoria da menstruação retrógrada é uma das teorias que explica a endometriose e a mais clássica. Segundo Sampson, as células dos implantes de endometriose são muito similares ao endométrio normal. O refluxo das células, algo comum durante a menstruação, levaria as mesmas para a cavidade peritoneal onde ocorreriam os implantes.
A teoria não explica todas as formas da doença, mas em experimentos em macacos onde foi induzido cirurgicamente a menstruação retrógrada, a incidência de endometriose chega a 50% nesse modelo animal. Por outro lado, a menstruação retrógrada acontece em 90% das mulheres normais e apenas uma pequena porcentagem delas vai de fato desenvolver a doença. Portanto, percebe-se que a menstruação retrógrada explica parte da fisiopatologia da doença, mas não tudo.
A metaplasia celômica proposta por Gruenwaldn em 1942 determina que qualquer célula celômica pode se diferenciar em uma célula endometrial o que explicaria a endometriose nos sítios a distância, pessioas que não menstruam e mesmo homens. Porém esse mecanismo nunca foi provado e permanece especulativo, sendo cogitado que o estímulo hormonal seria o fator estimulante dessa diferenciação.
A disseminação metastática sugere que a endometriose se espalharia como o câncer, usando o sistema vascular e linfático, o que explicaria sua presença em sítios distantes como pulmão e cérebro.
A teoria das células-tronco responsabiliza as células tronco que existem naturalmente no endométrio e são responsáveis pela regeneração do endométrio após a menstruação. Seriam essas as células responsáveis pelos implantes de endometrióide.
A teoria imunológica argumenta que defeitos na imunidade seriam os responsáveis pelo corpo não absorver e eliminar adequadamente os resquícios menstruais. Em pacientes com endometriose foram encontradas alterações em células imunes como os macrófagos e linfócitos, o que pode explicar o crescimento dos focos.
4 – Genética
Há muito tempo sabe-se que a endometriose tem um importante fator genético que quando temos um caso na família, as chances de outros familiares possuírem a condição estão elevadas de maneira relevante.
A genética é uma área recente da medicina clínica, tendo pouco mais de 20 anos vida. Impressiona o quanto avançou no tratamento e manejo de certas doenças, especialmente o câncer. A endometriose é um foco atual de sua pesquisa e já temos cerca de 550 genes candidatos em estudo.
O principal foco das pesquisas atuais são nos genes codificantes que sintetizam receptores de estrogênio, especialmente ESR1 e ESR2, e os que genes codificantes do receptor progesterona humano, especialmente o PRO-GINS.
5 – Imunologia
A teoria mais importante e validada historicamente da endometriose é a teoria de Sampson, pela qual o refluxo de células endometriais para dentro da cavidade peritoneal seria o início dos implantes e explicaria a maior parte dos casos da doença.
Porém, a menstruação retrógrada acontece em quase 90% das mulheres e apenas 10-15% vão desenvolver os focos. A teoria imunológica tenta explicar o porque alguns organismo a desenvolvem e outros não, buscando em falhas do sistema imune de defesa a resposta.
Em 1990 Evers propõe que falhas nas defesas de macrófagos e células Natural Killers, associados a microtraumas do peritônio, permitiram a invasão do mesmo e estabelecimento dos focos de endometriose. Portanto, a teoria imunológica seria uma teoria complementar a da menstruação retrógrada.
Nesse contexto, as alterações do estradiol nos macrófagos alterando sua capacidade de defesa teria papel fundamental na gênese da doença. Um outro ponto importante validado foram as concentrações muito discrepantes de interleucinas no liquido peritoneal das pacientes com endometriose, essa moléculas integram o sistema de ativação imune que deveria ser responsável por impedir o implante da endometriose.
6 – Teorias Contemporâneas
As teorias clássicas expostas no tópico 3 explicam o surgimento da endometriose, porém nenhuma delas consegue unificar o surgimento da doença. As teorias contemporâneas tampouco são capazes de explicar toda a complexidade da endometriose, mas auxiliam a entender melhor a doença e atuar em seu diagnóstico e tratamento.
A base de indução estrogênica da endometriose é bem estabelecida, com os focos de endometriose sabidamente tendo a capacidade de produção interna de estrogênios para se auto-alimentar. A principal importância desse fato é a reconhecida resposta das lesões a terapias de bloqueio hormonal como os anticoncepcionais. Os focos de endometriose apresentam comprovadamente a expressão anômala dos receptores de estrogênio, além da enzima AROM que é capaz de transformar andrógenos em ainda mais estrogênio para alimentar as lesões.
A resistência a progesterona é outra parte do mecanismo de proliferação dos focos de endometriose. O hormônio progesterona é responsável por diferenciar e limitar o crescimento do tecido endometrial. Isso justifica seu extensivo uso, isolada ou combinada, no controle da doença. Porém, as lesões de endometriose apresentam tipicamente baixa quantidade de receptores de progesterona o que resulta numa dificuldade de bloqueio dessas lesões. Em estudos com macacos foi comprovado que os casos de endometrioses com grande resistência ao bloqueio hormonal aconteceriam devido a uma baixa apresentação desses receptores devido a mutações.
O Estresse Oxidativo é o desequilíbrio entre a produção e a neutralização das espécies reativas de oxigênio. O processo inflamatório da endometriose leva a produção de radicais livres que estão associados a perda de qualidade e produção folicular, função tubária e do endométrio sendo o possível mecanismo de associação da doença com a infertilidade.
O Estresse oxidativo também aparenta ter relação com a teoria da menstruação retrógrada. A exposição do peritônio ao ferro em modelos animais leva a reação de Fenton onde são produzidos em abundância radicais livres que danificam o peritônio e permitem/estimulam o desenvolvimento dos focos de endometriose. A menstruação retrógrada seria a responsável pela exposição maciça ao ferro e grupo Heme das hemácias.
As células tronco adultas são essenciais ao endométrio em seu processo contínuo de descamação e regeneração e tem um grande potencial de crescimento. Seu envolvimento coma endometriose foi postulado há muito tempo atrás e a presença dessas células confirmada em 2004 dentro de focos de endometriose. Em experimentos animais, quando essas células foram transplantadas para outros órgãos e submetidas a estímulo de estrogênio, foram capazes de desenvolver focos de endometriose. Essas células tronco podem ter origem embrionária, reforçando a teoria embrionária e também origem intra-uterina reforçando a teoria da menstruação retrógrada.