1 – Dor Pélvica na Endometriose
A dor pélvica é o principal sintoma na endometriose e especialmente quando se apresenta em sua forma cíclica é notório seu valor no diagnóstico da doença. Com o curso da doença, ela pode evoluir para dor pélvica crônica, considerado quando a paciente possui mais de 6 meses de dor não relacionada a gravidez.
A dor pélvica cíclica vai se manifestar especialmente no período pré e menstrual, podendo gerar cólicas incapacitantes para a mulher. NUNCA uma cólica que deixa a mulher de cama e incapacitada deve ser considerada normal. Esse sintoma deve ser investigado sempre! Quando a clínica é muito característica e os exames de imagem não são conclusivos, deve-se impor a laparoscopia diagnóstica.
A dor pélvica crônica se mostra um diagnóstico mais desafiador, uma vez que são inúmeros os diagnósticos diferenciais que devem ser pensados junto ao raciocínio clínico para endometriose. Nesse ínterim, devemos considerar o importante fato que a endometriose é de longe a doença mais prevalente entre os diagnósticos diferenciais e deve SEMPRE ser pensada e investigada. Um aforismo criado por mim, em analogia a outros aforismos da cardiologia, ilustra minha visão sobre o assunto: “DOR PÉLVICA FEMININA NÃO-INFECCIOSA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO DEVE SER PENSADA COMO ENDOMETRIOSE.”
A endometriose é uma doença com prevalência altíssima na população, a maioria dos estudos considerando valores entre 10-15%. É inaceitável que uma doença tão comum possua, mesmo em países desenvolvidos, uma média de 8-10 anos para o diagnóstico e que a mulher passe por uma média de 5-6 ginecologistas antes do diagnóstico. O recente caso da cantora pop Anitta ilustra que mesmo pacientes com acesso aos melhores profissionais devem
“DOR PÉLVICA FEMININA NÃO-INFECCIOSA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO DEVE SER PENSADA COMO ENDOMETRIOSE.”
2 – Dor no ato sexual na endometriose
A endometriose pode causar dor no ato sexual e é especialmente relevante quando a dor que a paciente sente passa por pioras cíclicas menstruais. Caracteristicamente trata-se de uma dispareunia profunda, traduzindo: uma dor profunda no ato sexual.
Essa dor no geral vai ser manifestada quando o pênis é totalmente introduzido na vagina, situação que acontece frequentemente em determinadas posições como a de quatro apoios. Isso decorre do fato de ser um dos lugares mais comuns de endometriose o fundo de saco vaginal e ligamentos uterossacros, estruturas que se encontram na região profunda da vagina. A dor no geral é sentida como uma pontada e posterior cólica interna e pode ser de grande intensidade, sendo necessário parar o ato sexual e/ou interferindo sobremaneira na qualidade do mesmo.
A dor na introdução do pênis e/ou manipulação da genitália é chamada de vestibulodínea e não está caracteristicamente envolvida com a endometriose. Devido ao fato de ambas condições serem muito comuns (a vestibulodínea afeta 2-4% das mulheres), obviamente elas podem coexistir. Porém, os casos de vestibulodínea devem ser bem pesquisados e analisados para o diagnóstico diferencial correto da endometriose. As causas mais comuns de vestibulodínea são falta de lubrificação, herpes, atrofia vaginal e vaginismo, não sendo tão frequente sua associação com a dor pélvica cíclica ou crônica.
3 – Dor nervosa na endometriose
É de conhecimento notório na endometriose o acometimento direto dos nervos pélvicos e seus sintomas. Dos nervos somáticos (inervam a pele e os músculos), os dois que merecem mais atenção são o nervo isquiático (responsável pela inervação da parte posterior da coxa e região glútea) e o nervo pudendo (responsável pela inervação perineal e anal). Dos nervos autonômicos (inervam as vísceras como útero, bexiga e intestinos) , os principais envolvidos são o nervo hipogástrico superior e inferior.
O acometimento de nervos somáticos e autonômicos vão gerar sinais e sintomas distintos. O acometimento dos nervos somáticos leva a sensações de pontadas como “agulhas penetrando no corpo”, dor reflexa a estímulos não dolorosos como um simples toque da região (alodínia), sensação de descargas elétricas e senbilidade alterada. O acometimento dos nervos autonômicos está relacionado a sintomas nas vísceras inervadas, sendo os mais comuns: mal estar, dor lombar, vômitos, taquicardia (batimento cardíaco acelerado) e sudorese profunda.
Um evento comum é a hiperalgesia na endometriose, constituída por dor intensa quando do mínimo toque sutil em algumas regiões. A paciente tem desencadeamento de dor não proporcional à ação e que por vezes pode ser incapacitante.
Um outro evento comum é a sensibilização central da dor em mulheres com endometriose. A cronificação da dor e o ambiente inflamatório causado pelo endométrio ectópico pode desenvolver um ciclo vicioso que promove a sensibilização do receptor de dor. O resultado é que essas mulheres tem um limiar para estímulos dolorosos mais baixo e qualquer gatilho pode gerar dores intensas.
4 – Sintomas Urinários na endometriose
A endometriose caracteristicamente pode afetar o trato urinário e quando acometimento isolado tem um diagnóstico difícil pois imita outras afecções muito comuns na mulher como a infecção urinária. Complica ainda mais o raciocínio diagnóstico o fato de mulheres com endometriose nas vias urinárias efetivamente serem mais acometidas por infecções urinárias de repetição. O recente caso da cantora pop Anitta ilustra bem esse problema e o longo período que ela demorou até chegar ao diagnóstico.
A mulher com endometriose na via urinária pode apresenta hematúria (presença de sangue na urina micro ou macroscópica), disúria (dor ao urinar que pode ser ao término ou durante todo processo de micção, urgência (necessidade urgente de ir ao banheiro urinar), tenesmo vesical (necessidade urgente de ir ao banheiro urinar e não sair urina apesar de sentir a vontade e sensação de bexiga cheia), noctúria (aumento da frequência noturna da diurese) e dor pélvica quando do enchimento vesical. Essa última pode ser intensa e incapacitante.
Nos casos desses sintomas crônicos e não associados ao ciclo mentrual, é relevante pensar e descartar outras causas como a cistite instersticial e a síndrome da bexiga dolorosa. É importante salientar que é raro o acometimento isolado da bexiga na endometriose, sendo necessário investigar outros locais para a doença concomitantemente.
5 – Sintomas Intestinais na endometriose
A endometriose tipicamente acomete o compartimento posterior da pelve onde está localizado o intestino grosso e reto. A presença de sintomas intestinais é muito comum, como alteração na consistência das fezes, diarréia, constipação, dor ao evacuar, dor anal, presença de sangramento nas fezes e sensação de evacuação incompleta. Quando esses sintomas se apresentam cíclicos, junto ao ciclo menstrual, é crucial investigar a presença de lesões de endometriose no compartimento posterior.
No caso de sintomas persistentes e não-cíclicos é importante excluir a síndrome do intestino irritável SII e as doenças inflamatórias intestinais DII. É importante salientar que a doença do intestino irritável é extremamente relacionada a endometriose intestinal.
6 – Infertilidade na endometriose
A infertilidade é um grande problema atual nas sociedades ocidentais onde de uma maneira geral a mulher posterga o nascimento dos filhos em função de educação superior e carreira profissional. Dentre as variadas causas da infertilidade, a endometriose possui um destaque especial.
Os estudos sugerem que entre 25-50% das pacientes que entram em um consultório com diagnóstico de infertilidade possuem endometriose. Na outra ponta, é estimado que 30-50% das mulheres com endometriose são inférteis. Os números falam por si só a relevância dessa doença no contexto da infertilidade. Vários são os mecanismos sugeridos para essa relação.
A alteração na anatomia pélvica é uma das causas mais auto-explicativas. As aderências e distorções provocadas pela endometriose podem impedir o encontro do óvulo com o espermatozóide, o trajeto do embrião e sua implantação na cavidade endometrial.
A diminuição da reserva ovariana na presença de endometriomas seria um outro motivo para infertilidade, sendo comprovado que as pacientes com endometrioma tem níveis de AMH mais baixos quando comparadas com as pacientes com teratomas (lesão benigna) de mesmo tamanho. O tratamento do endometrioma também leva a perda de reserva ovariana, sendo uma decisão a ser compartilhada entre fertileuta e cirurgião o custo benefício da abordagem.
Os eventos imunológicos, especialmente intermediados pelas citocinas inflamatórias IL 6, 10 e 13, são bem estabelecidos como fatores de infertilidade, criando um ambiente ovariano e endometrial hostil, levando a efeitos diversos na fertilidade da paciente.
Os eventos hormonais também são um ponto-chave na relação da endometriose e infertilidade e estão relacionados a disfunções na fase lútea do ciclo menstrual, assim como crescimento folicular anormal e aumento na secreção de prolactina. As modificações que tornam o endométrio receptivo ao embrião também são reguladas pela progesterona. Sabidamente as paciente com endometriose tem alterações na resposta desse receptor, causando um endométrio desfavorável a implantação.
7 – Ultrassonografia na Endometriose
A ultrassonografia foi vista durante muito tempo como um exame pouco útil para endometriose, até que em 2003 começaram a surgir trabalhos demonstrando sua eficácia e valor quando realizada por profissional especialista na doença e com o preparo adequado para avaliação da doença. É essencial que o médico ginecologista que pede o exame ajude o ultrassonografista descrevendo os sintomas da paciente e o exame físico.
No brasil o protocolo mais adotado para a avaliação da endometriose com ultrassonografia consiste em Preparo intestinal com laxativos na véspera do exame e segue a seguinte sequência de avaliação ultrassonográfica: 1) Avaliação renal com transdutor abdominal 2) avaliação do diafragma direito com transdutor convexo abdominal 3) Avaliação pélvica com transdutor abdominal 4) avaliação da fossa ilíaca direita, esquerda e da parede abdominal com transdutor linear de alta resolução 5) Finalmente a avaliação da região do compartimento posterior com o transdutor vaginal usual.
Tendo em vista o acima, se você foi avaliada para endometriose sem preparo adequado e em um exame rápido e apenas vaginal, a chance de ter sido uma avaliação mal feita é enorme. O ultrassom transvaginal sem preparo tradicional não é um exame indicado no rastreio da endometriose. Se você possui sintomas típicos, continue sua investigação.
A ultrassonografia, quando executada adequadamente, traz informações valiosas e em vários pontos é superior a ressonância magnética. Por exemplo, é mais eficiente em avaliar a infiltração das camadas intestinais e vaginais que a ressonância. Essas informações são importantes na decisão das melhores táticas cirúrgicas na abordagem das lesões nesses sítios.
É importante salientar que mesmo quando bem executado, tanto a ressonância quanto a ultrassonografia não tem boa acurácia nos casos de endometriose superficial. Se os sintomas forem típicos, a investigação deve ser continuada e a laparoscopia aventada.
8 – Ressonância na Endometriose
A ressonância magnética, junto com o ultrassom, faz parte da avaliação de imagem na endometriose. Foi o primeiro exame a ser usado de maneira protocolar na pesquisa da endometriose e um fator chave na valorização da doença. Apresenta vantagens e desvantagens quando compara ao ultrassom e assim como esse último é falha na avaliação das lesões superficiais de endometriose.
Aqui também é essencial que o médico ginecologista que pede o exame ajude o ultrassonografista descrevendo os sintomas da paciente e o exame físico. Aqui também é essencial o correto preparo para o exame e profissional radiologista habituado ao manejo da doença. O preparo comumente é realizado com laxativos e introdução de gel vaginal e retal para melhor avaliação da doença. Se você não fez um exame com preparo adequado, muito provavelmente o resultado apresentará inconsistências.
A principal vantagem da ressonância é na avaliação das lesões ovarianas, conseguindo ter uma maior acurácia na definição da localização das lesões assim como diferenciação nos casos de malignidade. A combinação de suas avaliações com gadolíneo em diferentes sinais permite avaliar com precisão tecidos que possuem agua e estroma como o ovário.