1 – O que é Laparotomia?
A história da laparotomia se confunde com a própria história moderna da Cirurgia, porém o primeiro caso executado com sucesso aconteceu apenas em 1809, por Ephraim McDowell nos Estados Unidos. Advinha qual foi a primeira cirurgia que abriu um abdome com sucesso? Cisto de ovário!
A laparotomia, ou celiotomia, consiste na aberta do abdome via uma incisão com bisturi frio e revolucionou a cirurgia e o tratamento das mais diversas doenças. Na ginecologia as incisões mais usadas são a mediana “incisão em pé” e a incisão transversa “cesariana”.
Com o advento da laparoscopia na década de 90 e da robótica nos anos 2000, vem sendo cada vez menos executada, especialmente na ginecologia cirúrgica. Possui uma pior recuperação, maior dor no pós operatório e maior risco de complicações.
Cirurgia Aberta em ginecologia, salvo exceções muito específicas, é coisa do século passado!
Brincadeira à parte, a Laparotomia nunca vai deixar de existir e o cirurgião deve ser preparado e treinado nessa técnica também. Hoje temos computadores, smartphones e metaverso, mas continuamos a usar “papel e caneta” e essa é uma excelente analogia.
A laparotomia sempre será nosso “papel e caneta”. Perdeu muito espaço para as novas tecnologias, mas continua viva e muitas das vezes um papel e caneta é mais rápido e resolutivo que o nosso celular, correto?
2 – Dor na laparotomia
Na laparotomia é esperado mais dor no pós operatório e normalmente os pacientes irão necessitar da Dipirona regular e associação com outra medicação analgésica. Para as dosagens e medicações, checar o arquivo “orientações pós operatórias.”
Devido a essa dor, o paciente pode ter mais dificuldade para andar no pós operatório da laparotomia, mas mesmo assim deve tentar fazê-lo ao máximo!
Também é comum que o paciente necessite de duas noites de internação no hospital para controle da dor com analgesia venosa.
3 – Seroma e hematoma na laparotomia
Você já “ralou” o cotovelo ou o joelho em uma queda, certo? Após olhar a superfície vermelha do ralado, percebeu que inicia a sair uma “água de carne” que depois vai formar a “casquinha” do machucado?
Prazer, esse é o seroma. Na laparotomia ele é muito comum, porque diferentemente da laparoscopia/robótica o ralado aqui é “muito maior”. Ele se manifesta na região do corte cirúrgico como uma elevação que você palpa e sente que é “água”. Uma complicação benigna, mas que no geral exige esvaziamento em consultório, o que é bem rápido e pouco doloroso!
O hematoma também é outra complicação mais comum na laparotomia. Durante o trauma cirúrgico, várias vias metabólicas são acionadas e uma das moléculas liberadas é a adrenalina que visa “fechar os vasos cortados” e estancar o sangramento.
Durante o ato operatório sempre revisamos o corte, mas devido ao efeito da adrenalina podemos sair da cirurgia sem ver algum desses vasos “fechados”. Com o passar do tempo e diminuição dos níveis desse hormônio, esse sangramento pode acontecer na ferida. Irá se manifestar por uma elevação dura e rígida, comumente associada a uma cor violácea. Uma complicação benigna e que no geral não exige o esvaziamento!
4 – Infecção e cuidado na laparotomia
Devido ao maior trauma e extensão do corte na laparotomia, as infecções de ferida operatória são mais comuns na laparotomia. Com isso, devemos ter cuidado redobrado com as feridas e sua limpeza e troca de curativo devem ser diários! Para orientações desse cuidado, checar o arquivo “orientações pós-operatório”.
5 – Cinta Abdominal na laparotomia
O uso da cinta abdominal é obrigatório em toda laparotomia. Ela comprime o tecido cortado e evita o aparecimento do seroma e hematoma.
Também gera maior conforto respiratório para o paciente e diminui a dor.
A cinta abdominal para pós laparotomia é especifica e diferente das cintas abdominais usadas para fins estéticos. Ela é bem fácil de achar, possui um fechamento com velcro bem resistente e deve ser comprada em lojas de material hospitalar.
6 – Esforço físico após laparotomia
O esforço físico, agachamento e levantamento de peso deve ser evitado por 6-8 semanas após a laparotomia, esse é o tempo para o corte fechar definitivamente.
Porém, desde o despertar da cirurgia o paciente deve deambular e ficar a maior parte do tempo que conseguir sentado. Isso é extremamente importante em sua recuperação e no fechamento da ferida e esses movimentos não são capazes de “arrebentar os pontos”.
7 – Miomectomia Múltipla, uma frequente indicação
Um dos casos onde a cirurgia aberta, laparotomia, pode ser interessante é o de miomas múltiplos e/ou volumosos. Basicamente devido a dois motivos:
1 – A cirurgia por vídeo pode ser muito extensa, levando mais de 5-6 horas. Isso significa 5-6 horas de anestesia geral e hipotermia para o paciente e tem um peso relevante para o pós-operatório. Por outro lado, a cirurgia aberta(laparotomia) raramente vai passar de 1:30. Nesse momento a vantagem de não ter corte da laparotomia deve ser pesada contra o tempo cirúrgico estimado!
2 – O corte para miomectomia é na mesma posição da cesariana e ainda menor, afinal de contas precisamos somente retirar os miomas e não o útero inteiro ou uma criança! Com um corte menor, todas as complicações relacionadas a laparotomia também são reduzidas.
8 – Câncer de Ovário, a grande indicação
Aqui a grande indicação da laparotomia na ginecologia cirúrgica. O diagnóstico do câncer de ovário só é dado durante o ato operatório.
Nos tumores de ovário, é bem comum serem preenchidos por líquido e o mesmo está repleto de células cangerígenas que são potenciais metástases. É como se o tumor fosse uma bexiga de festa cheia de agua, com a parede bem fininha. Em sua manipulação não podemos de maneira alguma permitir que seu conteúdo extravase na cavidade!
Como o material das pinças de vídeo é pontiagudo, esse risco é importante e em massas grandes não podemos simplesmente cortar a peça para retira-la da cavidade. Com isso, massas grandes e suspeitas de câncer de ovário devem ser preferencialmente abordadas por via aberta convencional, a laparotomia.
9 – Câncer de Colo de Útero, a discussão
Esse é um ponto quente de discussão entre especialistas. Iniciamos a operar o câncer de colo uterino por vídeo junto com outras doenças oncológicas. Porém, um estudo muito importante colocou em dúvida se os resultados oncológicos da via laparoscópica seriam iguais aos da via aberta e durante um certo tempo a maioria dos centros retornou a via convencional aberta.
No momento que escrevo esse manual (2023), muitos centros e especialistas já retornaram a operar por vídeo e robótica, com modificações na técnica afim de conceder o resultado ideal cirúrgico-oncológico.
Permanece uma decisão difícil escolher qual a melhor via para o paciente e os custos e benefícios devem ser divididos entre a equipe cirúrgica e a paciente!
9 – Intercorrências cirúrgicas
Lembra do exemplo do “papel e caneta” da laparotomia? No caso de intercorrências, especialmente vasculares, na videolaparoscopia/robótica, pode ser necessário muita agilidade e manejo de lesões e então vamos ter que abrir a paciente por via convencional e reparar a lesão.
Outro problema podem ser aderências ou dificuldade de identificar a correta anatomia cirúrgica, o que garante a segurança da cirurgia. Nesses casos, voltar ao “papel e caneta” é necessário.
Qual a probabilidade de ambos os cenários acontecerem e termos que converter a cirurgia?
Muito baixa, nossa equipe opera cerca de 200 casos por ano e temos anos nos quais um evento desses simplesmente não ocorre, ou ocorre 1x durante o ano inteiro.
Apesar da raridade, temos que ter em mente essa possibilidade!